O menino José sabia falar a contento de suas saudades com as mãos. Os dedos do rapaz sempre foram verbais. Os olhos de cio. Jabuticabas Maduras. Chaplin, Baudelaire e Macunaíma numa só rima. Engoliam a paisagem sem cerimônias.
Naquela vez os cílios ligeiramente trêmulos prestavam todas as reverências à ela. Denunciavam a pressa mal disfarçada, nos demais movimentos do amante experimentado.
Um reencontro improvável assim como as saudades espetaqueiras e espetaculares que não couberam pele adentro num dissimulado “Olá como vai? Vou bem e você”
Nunca foram amantes. Nem amigos. Eram acontecimento. Ele tinha um jeito de farejá-la que entorpecia. Maria boiava contente naquela saliva. Com José não era mulher. Era jasmim. Também foi chuva, vento e vácuo, sem perfume nos cinco anos apartada daquele desconhecido.
Ninguém beijara seu cheiro como aquele misterioso homem cão, desde a última vez, numa despedida sem troca de novos endereços. Ela rumo a Barcelona onde intentava especializar-se em dança. Ele de mudança para o novo apartamento beige da futura vida de casado. A noiva escolhida fora apenas um pretexto para a sua decisão em transformar-se num homem de família. Maria não fora cotada para a missão. Bailarina em viagens constantes pelo mundo com uma famosa companhia circense não haveria de ser leal a qualquer apego de Zé e isso já é outra história. A dele. Porque ela bem gostaria de ser só sua Maria...
Até que de repente: o acaso do encontro em Paris. Érico Balbo, o ex marido, agora casado com Eduardo, lançava o livro “Flor do Mato” na mesma livraria em que José comprava uma revista de jardinagem para ler num avião, rumo a Lisboa onde visitaria a filha do casamento acabado.
Uma mulher em pleno fogo cruzado. Duplamente surpresa pelo livro de Érico, seu melhor amigo, em sua homenagem e pela constatação de que José ainda existia e estava mais atraente que sempre.
"Por que você nunca me dá seu telefone?Há cinco anos quero te ligar para contar que permaneço apaixonado pelas suas sobrancelhas sabia?
“Suas cantadas continuam tão ridículas quanto presunçosas José”
“Espero que você tenha preservado um tanto suficiente de seu mau gosto então, exceto pelo vestido branco impecável “ retrucou, com um sorriso nervoso de canto de boca.
"Vejo que você ainda não tem bons modos. Prazer em revê-lo. Estou com Érico e ademais até onde eu sei você é casado".
"Divorciado".
"Lamento. Tenho outros planos". Apressou-se em dizer, enquanto se dava conta que o único homem capaz de despedaçar seu coração estava a dois passos de sua pele.
"Pois é eu acabo de dividir um café com Eduardo que me disse também ter planos com Érico". Insistiu
Sorri enquanto observa atentamente a cara de pau de seu interlocutor e emenda: "pois é será nossa comemoração íntima, em família."
Ambos riem embaraçados. Em meio segundo de um instante ele a beija. Momento sem lugar ao sol, que Maria simplesmente não consente, apenas deixa.
O choque, o gosto e a irritação a levam fumar um cigarro emprestado em frente a livraria depois de um ano de feroz abstinência. Houve tempo para saber entre uma taça e outra de moscatel que o atrevido agora movara em Paris, onde coordenava um importante projeto do governo de restauração do patrimônio público e ia com freqüência visitar a filha Emília, em Lisboa , onde morava há dois anos com a mãe. A ex. Joana .
Um carro para em frente a livraria. O motorista sai e avisa José que está na hora. Ele entra no carro sem despedir-se.Já sentado no banco de trás estende a mão e suplica de corpo e alma : vem?!
Maria sorri de braços cruzados.
“ Por favor vem”?repete José
“Vou. Brindar o livro com Érico. Já passa da hora”.
Diz e sai caminhando lentamente
José desce do carro. Ela sente sua respiração pelas costas. Ele a segura pelos cabelos. Suavemente. Por que? Para quê ?
Maria recua . Vira-se. Frente a frente com o único homem capaz de partir-lhe o coração ou pelo menos suas mais caras ilusões românticas pergunta: por quê? Para quê?
“A única morte em que acredito minha cara é o esquecimento”. Diga que você será capaz de esquecer o que impediu de acontecer...” Diz que nada do sobreviveu em você. Diz Maria e te deixo em paz. Afinal qual o significado de nos encontrarmos casualmente em Paris após cinco anos não é?”
“Pois é . Nenhum. Coicidências acontecem sim. ”
“Você ainda não disse”
Ela hesita. Diz que carece caminhar para organizar seus pensamentos. José a segue discretamente. Ficam lado a lado , mas não conversam. Ela nota o mesmo apreço de José pelos telhados. Lembra da ocasião em que combinaram tomar champanhe sobre as telhas de uma simpática casinha de vila, que ambos sabiam poderia ser um doce lar. Após uma longa caminhada voltam à frente da livraria. O carro continua à espera.
Calada Maria entra no banco de trás. José logo avisa ao motorista particular que o destino era o seu apartamento.
"Mas o senhor perderá o avião”, avisou respeitosamente o dedicado funcionário
"Eu sei"
Maria não dava palavra. Apenas ia. Em cada esquina José pressentia a nova fuga daquela mulher e colocava-lhe as duas mãos nas bochechas mansamente de forma a acariciar, acalmar e atrair para si a confiança do cavalo selvagem escondido nos traços delicados em algum ponto entre o quadril de parideira e os peitinhos moleques. Lacônica não dava sequência em nenhum dos assuntos dele. Daquele que sempre sentiu saudades. Houve novo silêncio. E medo. Quiça de ambas as partes.Uma dúvida não havia: ela ainda era louca por ele. E se enraivecia por isso. Ele que de nada duvidava na vida, agora temia a intuição que afinal não sinalizava o tempo certo das coisas. "Tudo é como tem que ser" deixou escapar em voz alta.
"Será", responde friamente e logo após faz uma ligação para Érico avisando que teve um "imprevisto".
Ele se irrita com o adjetivo escolhido. Tenta disfarçar. Finalmente chegam.
Assim que adentrou a sala de seu anfitrião, a bela trocou a inércia pela na provocação. Usava diminutivos, como casinha bonitinha, o que sabia ser grande ofensa para um homem megalomaníaco como ele.
Irritado feito bicho saqueou-lhe o corpo, afastando seus pés do chão . Furiosa Maria gritava enquanto ele sentia as costas dela esquentarem em contato com seu abdômen já desnudo.
Atirou-a na cama.
"Vou gritar e pedir socorro"! avisou baixinho. Pensou em acabar com a brincadeira e ir embora enquanto estirava-se confortavelmente sobre os lençóis de seda, de olhos fechados. No fundo queria defender-se daquelas pupilas matadoras. Sabia-se presa fácil.
Lentamente ele começou a despi-la como se ao contrário cobrisse uma deusa. Acariciava-lhe as sobrancelhas e todos os pelos do corpo entravam em conexão de arrepio como instrumentos afinados por simpatia.
Maria continuava inerte. Alheia. Repentinamente José vira o corpo branco de bruços e mata as saudades daquelas nádegas como quem sorve pela primeira vez uma carambola madura.
Ela ainda empenhada em insinuar a total indiferença que seu corpo todo já desmentia. Aflito José suplicava a abertura dos grandes olhos negros que o enfeitiçaram desde o princípio. Ele aguardava em movimento, acariciando tudo o que encontrava pela frente. Pelo, pinta, pranto e qualquer parte daquela que amou sem fim. Também cheirava-lhe as orelhas lentamente.
Ainda de olhos fechados Maria escorrega as mãos entre as pernas e a exemplo do espetáculo que costumavam oferecer ao público seus pés bailarinos, ali a valsa se dá pelos dedos das mãos. Delicados e de unhas pintadas de rubi bailam em seu sexo para o deleite de um José aturdido e embriagado de gratidão por ser o convidado de honra daquela masturbação.
Quieto e apavorado com a possibilidade de fazer qualquer algo precipitado que interrompesse a cena , José senta-se no chão e apenas observa o quanto deseja aquela mulher e ama sua companhia.
Farta porém não saciada Maria finalmente abre os olhos. As pupilas fizeram amor diante da lassidão dos corpos emudecidos. Depois misturam-se feito anjos. Exausto de felicidades ele dorme. Ela se apressa. Não conseguiria desperdir-se do homem que amava impunemente. Talvez nunca viesse a saber que ele a amava enquanto apenas sorria.
Se as saudades apertavam pensava na beleza dos cavalos selvagens que não trocam promessas de amor. Ele tentou encontrá-la para jurar te amo, te quero, ti amo, Je ´taime, S´ayapo (em Grego), I love you, Dangsinul saranghee yo (em coreano), Ohiboke (em árabe), Ai shiteiru (em japonês), Kulo tresno (em javanês), Wo ai ni (em mandarin), Ya tebya liubliu (em russo), Mena Tanda Wena (em Z ulu) Ek is lief vir jou (em africano) e me amas vim (em esperanto).
Acontece que Érico e Eduardo, os únicos capazes de fornecerem alguma pista do paradeiro de Maria saíram da livraria naquela tarde direto para um retiro espiritual na Índia, enquanto aquela mulher sumia feito arco-íris. Na realidade apenas voltou ao Brasil e na época não existiam redes sociais e facebook era ficcção científica. Aliás na ocasião nem internet havia ainda. Tudo deu-se na pré-história E os investigadores eram caricatos demais naquelas circunstâncias tal qual esse conto. Então ele resolveu que tudo não passara de sexo e champanhe (saboreado talvez com algum excesso por ambos, a propósito, durante o elegante lançamento literário de Flor do Mato, de Érico Balbo) e estamos todos entendidos. E ninguém esqueceu nem soube por quê? Para que? Amaram-se para sempre.