terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O Macho e A Fêmea



Cheiro de fêmea. Boca pequena. Punhos quase infantis. Aparente fragilidade de periquita. Mais ou menos assim era Clotilde.
Peito de pombo. Olhos de boto. Pé de moleque. Estamos falando agora de Clodoaldo, um pouco.
Ninguém soube, até hoje, que Clotilde tenha se postado em frente de nenhum Clodoaldo de bico entreaberto à espera de comida ou congêneres.  Gênero feminino.  Da mesma espécie dadivosa e duvidosa do macho.  Com asas de ganhar mundo, iguais às de alguns deles.  E gosto, o que a propósito é bem diferente de necessidade, por companhia para brincar o vôo.
Um dia Clotilde simplesmente quis, como se já tivesse- de tão natural que era a querência-  a companhia de Clodoaldo para sobrevoar o que a realidade pode espelhar de mais hostil e geométrica, bem lá de cima, numa dimensão talvez menos vulgar. Fora das entediantes rotas de colisão  entre homens e mulheres. A exemplo dos bichos.
Clodoaldo aprendeu que quando a oferta é demais  “o santo tem que desconfiar” e fugiu.
Azar ou sorte? De quem?   Pois então,  não se trata de equação e nem teria solução, se nessa vida, exceto na matemática, quase tudo é relativo, de acordo com o ângulo e a perspectiva do sujeito (a).  E  não há paradoxo em complementar a frase anterior com esta outra de muito mais valor: “pensar é estar doente dos olhos”, Fernando Pessoa. Ou há?
Talvez devêssemos cheirar mais...

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

DESENGANOS



Tristeza é como cão sem dono. Aparece em alguma esquina. Uns ignoram, outros atropelam e sempre haverá aqueles que acolhem. Junior era desses últimos. Melancólico de natureza e não apenas para parecer cult achava que o mundo estava perdido desde os sete anos, quando notou homens cuspindo na rua e mulheres enfiando o dedo no nariz, em plena avenida. Agora com 34 ficava mais evidente que do pai, puxador de samba da Vai-Vai e otimista inveterado,  herdara só o nome: Agenor.
Médico, clínico geral, plantonista de um dos maiores hospitais da cidade, o doutor dobrava o expediente em plantões semanais no IML para garantir alguma autonomia na velhice.  Todas as terças-feiras. Há dois anos era com o ferdor do seu trabalho de perito que enchia a conta poupança no Banco do Brasil. 
Mantinha um perfil no facebook. Fake. Lá era Donato. Não informava profissão nem interesses, além da paixão por discos de vinil, filmes antigos e mulheres. Começou a montar a rede de amigos virtuais como quem responde questões de múltipla escolha no chute descarado. Simplesmente pensou me nomes com a letra A. Enviou algumas solicitações. Foi aceito e uma coisa levou a outra até que chegou a razoável , porém não notável, marca dos 455 amigos.
À deriva de muitos outros acontecimentos, um fato  manteve-se imaculado durante muitos meses. A visita diária do doutor Donato Agenor Junior ao perfil de Ana, uma menina aparentemente desprovida de dotes físicos irresistíveis e  de aspecto divertido, pela qual estava apaixonado. Amor a primeira vista. Genuinamente platônico. Moravam na mesma cidade. Na realidade no mesmo bairro. O pouco que a garota postava, entre comentários vagos e citações melancólicas, estava mais do que suficiente para alimentar o amor e admiração de Donato. Sem dúvida tratava-se da mulher dos sonhos. Daquela que se pudesse pediria em casamento, fosse a vida mais simples.
Ana lecionava inglês.  Trabalhava em casa. Junior mal e porcamente tinha um lar. Passava em seu quarto , na casa que dividia com a mãe e a irmã mais velha apenas para trocar de roupa e cochilar alguns sonhos e muitos pesadelos.  Por muitas vezes quase se cruzaram na farmácia.  
Naquela terça-feira o dia não se abriu, quando a noite acabou. O tempo parecia imerso numa espécie de limbo, do tipo que anuncia más notícias. O dia no hospital seguiu infernal e assim que adentrou o IML para o plantão semanal sentiu-se mal. Náusea, vontade de chorar. Lavou o rosto. Sorriu amarelo para si próprio diante de um pequeno espelho colocado em cima de uma pia quebrada, enquanto se convencia de estar precisando de férias. Retomou a compostura. Colocou o avental . As luvas. E deu de cara com Ana alvejada por um tiro no peito.
Aturdido acessou o facebook rapidamente via Iphone e entrou na página de Ana, onde absolutamente nada constava além de uma postagem do dia anterior. Uma citação de Clarice Lispector. “É preciso viver apesar de...”, anunciava o post.
Os documentos da vítima atestavam:  Ana Mara, 27 anos. Crime passional.
Junior volta à sala onde Ana talvez não mais estivesse de corpo e alma e simplesmente chora. Muito. Alto. Depois agarra-se aquele corpo e aquele rosto muito mais bonitos do que insinuava a única foto publicada no perfil que conhecia de sua Ana imaginária. Como um Romeu desesperado atira-se sobre o corpo inerte e tenta beijar-lhe os lábios. É socorrido imediatamente pela equipe médica, como vítima de um episódio de estafa e estresse agudo.  Surto psicótico abafado. Melhor assim pois não poderia mesmo rasgar o peito de sua amada. Seguem-se três dias de sedação completa.
Passado o efeito da medicação, Junior simula a retomada da rotina, que nunca mais seria igual. Passa dois dias tentando descobrir onde comprar uma arma básica , igual a tubinho preto no armário de mulher. Acha a pistola. Compra. Paga caro. Usa aproximadamente metade do dinheiro guardado na poupança. E sem mais delongas dispara um tiro na testa logo após escrever uma carta inocentando seus familiares e pedindo que ninguém chorasse. “Fui ao encontro de meu grande amor, convicto e feliz”, dizia ao final.
No mesmo dia o perfil do facebook de Ana - o grande amor platônico de Donato que na verdade era Agenor Junior, enquanto ela assinava Ana Meire somente no documento de identidade - exibia uma tarja de luto pela irmã gêmea Ana Mara, vítima fatal de um namorado ciumento e psicopata.   
Grandes enganos de amor são quase sempre tragicômicos, como já se sabe,  mas este foi realmente um dos mais tristes dos quais se teve notícia em muito tempo. E ninguém tinha acesso ao perfil de Donato, que continuou a festejar aniversário no dia 19 de junho “ad eternum” na internet. E o dinheiro restante na conta poupança do Banco do Brasil, agência 291, ainda serviu para quitar todas as dívidas do sujeito e  deu para a reforma do banheiro da casa onde viveram Junior, Agenor e Donato. Ana Meire nunca mais navegou e virou freira, depois do acontecido com a irmã.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

INVARIAVELMENTE



Segunda-feira.  Despertado pelo seu celular último tipo, Zeca começa o dia sozinho, assim como deverá terminar se levarmos em conta a abrangência do termo invariavelmente , que persegue este homem em alguns aspectos corriqueiros da vida.
Ele é boa pinta, como se dizia antigamente. A conversa também não parece assustar muito, mesmo quando ele toma os dois uisquinhos de praxe para relaxar.  E quem disse que o sujeito não é lá muito popular só porque almoça sozinho invariavelmente todos os dias inclusive domingos e feriados, na mesma padaria sabe-se lá há quanto tempo? O menino que trabalha no caixa contabiliza seis anos da preferência do cliente,  desde que assumiu o posto.
Ninguém sabe afinal se ele almoça sozinho simplesmente porque detesta intercalar comida e conversa. Quem sabe ache uma incoveniência. Mastiga lentamente e fica neurótico ao pensar na possibilidade e revelar um verdinho perdido no dente da frente ao comentar assunto qualquer com um eventual interlocutor.
Aliás ele poderia pagar um uísque, ou vários, à quem revelasse o nome do filha da p que inventou “almoço de negócios”. Comer e parecer competente são verbos que não combinam.  A mesa por vezes revela até mais que a cama, poderia ele supor e sabedo-se um guloso de carteirinha estaria sempre prestes a perder a cabeça por um cheesecake e concomitantemente  a chance de um percentual  maior de lucro numa negociação. Para que correr este tipo de risco afinal? 
A propósito  para que uma companhia "não virtual"?  Dividir a mesa hoje em dia pode ser mesmo mais  seguro com blackberrys e congêneres, principalmente se for no final do dia e com bebida alcóolica por perto. Pelo menos na internet eventuais exageros e/ou breguices para dizer o mínimo poderiam assumir  mais facilmente no pós ressaca um tom blasé do tipo : foi tudo planejado para te testar caro "amigo" e ou "seguidor".
Muitas seriam as hipóteses, mas o que ninguém ali na padaria sabia era que o tal tinha dois perfis lotados no facebook e milhares de seguidores no twitter. E a princípio quem convidar portanto não era o problema. Nem a Glorinha sabia que estava todo dia diante do popíssimo Z , identidade digital escolhida com muito custo. Era ela quem recebia Zeca todos os dias com um sorriso na padaria do seu Manoel. Nenhum dos dois abria mão desse ritual silencioso. Ele sempre pedia coca-light, água sem gelo e café . A comida variava um pouco. 
A garçonete costumava ser faladeira, mas percebeu logo que o Zeca era quietinho e quase sempre  limitava-se a  indicar algum prato, perguntar se estava tudo bem , coisas de praxe de um bom atendimento. Em alguns dias ela acabava contando de algum caso de cliente, como o da moça que jogou suco de laranja no namorado e quando foi levantar da mesa escorregou no chão molhado e quebrou o nariz e coisas dessas . 
As vezes ela ficava contando causos mais engraçados ainda de pessoas que também iam sempre lá e o Zeca que não perguntava nada, adorava saber.  No meio da conversa ele sempre parava um pouco para mexer no seu blackberry. O bicho que dá trabalho pensava Glorinha, cujo celular só servia para telefonar mesmo. Antes de ir-se embora José sempre dizia tenha uma ótima tarde e ele era tão mais tão bonito que a garçonete tinha mesmo tardes maravilhosas sonhando atrás das prateleiras com beijos, abraços e até com os dois dançando tango em Buenos Aires , uma cidade que ela um dia ia conhecer se Santo Expedito a ajudasse e ele ia ajudar.
Até que numa segunda-feira  Zeca chegou para o mesmo almoço que já não seria igual , pois  a Glorinha tinha sido demitida pelo seu Manoel naquele dia mesmo, por conta de um flagrante: ela e o João do pão em pleno agarramento do lado do forno em hora de serviço.
E o português avisou bem avisado que não queria assanhamento de um com ninguém e  outro com nenhum ali. Coitada. Nem foi culpa dela. O João do pão ficou louco quando a viu sem a toca ajeitando o cabelão preto, liso feito de índia, da Glorinha. Foi chegando e sem falar nada puxou a menina pela cintura e tascou-lhe um beijo bem na hora que seu Manoel vinha buscar pão quente para o seu lanche da manhã. Um dos quatro, mas isso é outro conto.
O que importa é que sobrou para Ana tirar o pedido do Zeca naquele dia. Ele vacilou. Pediu a bebida, mas antes de comentar sobre os pratos não agüentou.
Cadê a sua amiga moreninha?
Hum qual delas senhor a Bianca?
A que costuma servir nesse horário?
Hum talvez o senhor esteja falando da Glorinha?
É acho que sim
Ela não trabalha mais aqui não senhor
Zeca de repente perdeu a fome. Não adiantaria perguntar nada, afinal a resposta mais provável seria hummm
E mediante a aquela situação ficou impossível cumprir a promessa feita a si mesmo há um ano passado de que pelo menos na hora do seu almoço só iria interagir com as pessoas a sua volta e não ao redor do mundo. Num impulso ele sacou o blackberry  bolso e  nada mais enxergou além de tela e teclado. Navegou uma hora cheia carregando na tinta das alegrias  e negando o tédio em postagens tipo look moderninho, que você passa horas ajeitando para se passar por desleixado.  Nem viu quando um grupo de sete anões vestidos de pingüins passou ao lado de sua mesa na padaria.
Puxa vida quanta falta faria Glorinha. Aquelas horas de almoço eram o único intervalo de realidade na vida do internauta ainda mais popular que refrão chato.  Antes ele preferia almoçar sozinho porque assim tinha tempo de twittar a vontade sobre o tempero , o cheiro, a poesia da padaria no dia. Depois passou a evitar companhias porque vamos e venhamos  o face é muito dedo duro. Se você mente para um, todos acabam sabendo. É tudo uma promiscuidade despudorada. Você se relaciona com centenas de pessoas ao mesmo tempo. Será que ainda tem quem fale mal do ménage a tróis?
Como não podia deixar de ser Zeca é um paulistano atarefadíssimo , que desenvolve  jogos de computador  vendidos a preço de ouro para empresas chinesas e sendo assim como lembrar invariavelmente  por exemplo que  não pode postar ter voltado de Paris na quarta, quando na terça esteve na Galeria dos Pães. Assim foi abrindo mão de seres humanos em carne e osso. Davam muito trabalho. Como para tudo há de existir uma exceção a de Zeca era Glorinha. Até aquele dia.
Continuou freqüentando a mesma padaria. Aceitou ser atendido por Ana, mas não tinha mais paciência para conversas de garçonete, preferia gastar seu tempo conferindo as atualizações do embaixador brasileiro da Nova Zelândia, seu amigo no face. E assim foi  até que numa segunda- feira eis  que chega uma solicitação de amizade justo de quem no facebook? Pois é, da Glorinha. É o mundo dá voltas. E as vezes volta para o mesmo lugar. Que tédio!

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

SÓ MAIS UMA MARIA E OUTRO JOSÉ

 O menino José sabia falar a contento de suas saudades com as mãos.   Os dedos do rapaz sempre foram verbais. Os olhos de cio. Jabuticabas Maduras. Chaplin, Baudelaire e Macunaíma numa só rima. Engoliam a paisagem sem cerimônias.
Naquela vez os cílios ligeiramente trêmulos prestavam todas as reverências à  ela. Denunciavam a pressa mal disfarçada, nos demais movimentos do amante experimentado.
Um reencontro improvável assim como as saudades espetaqueiras e espetaculares que não couberam pele adentro  num dissimulado  “Olá como vai? Vou bem e você”
Nunca foram amantes. Nem amigos. Eram  acontecimento.  Ele tinha um jeito de farejá-la que entorpecia. Maria boiava contente naquela  saliva. Com José não era mulher. Era jasmim.   Também foi chuva, vento e vácuo, sem perfume nos cinco anos apartada daquele desconhecido.
Ninguém beijara seu cheiro como aquele misterioso homem cão, desde a última vez, numa despedida sem troca de novos endereços. Ela rumo a Barcelona  onde intentava especializar-se em dança.  Ele de mudança para o novo apartamento beige  da futura vida de casado. A noiva escolhida fora apenas um pretexto para a sua decisão em transformar-se num homem de família. Maria não fora cotada para a missão.  Bailarina em viagens constantes pelo mundo com uma famosa companhia circense não haveria de ser leal a  qualquer apego de Zé e isso já é outra história. A dele. Porque ela bem  gostaria de ser só sua Maria...
Até que de repente: o acaso do encontro em Paris.  Érico Balbo, o ex marido, agora casado com Eduardo, lançava o livro “Flor do Mato” na mesma livraria em que José comprava uma revista de jardinagem para ler num avião, rumo a Lisboa onde visitaria a filha do casamento acabado.
Uma mulher em pleno fogo cruzado. Duplamente surpresa pelo livro de Érico, seu melhor amigo,  em sua homenagem e pela constatação de que José ainda existia e estava mais atraente que sempre. 
"Por que você nunca me dá seu telefone?Há cinco anos quero te ligar para contar que permaneço apaixonado pelas suas sobrancelhas sabia?    
“Suas cantadas continuam tão ridículas quanto presunçosas José”
“Espero que você tenha preservado um tanto suficiente  de seu mau gosto então, exceto pelo vestido branco impecável “ retrucou, com um sorriso nervoso de canto de boca.
"Vejo que você ainda não tem bons modos. Prazer em revê-lo. Estou com Érico e ademais até onde eu sei você é casado".
"Divorciado".
"Lamento. Tenho outros planos". Apressou-se em dizer, enquanto se dava conta que o único homem capaz de despedaçar seu coração estava a dois passos de sua pele.
"Pois é eu acabo de dividir um café com Eduardo que me disse também ter planos com Érico". Insistiu 
Sorri enquanto observa atentamente a cara de pau de seu interlocutor e emenda: "pois é será nossa comemoração íntima, em família."
Ambos riem embaraçados. Em meio segundo de um instante ele a beija. Momento sem lugar  ao sol, que Maria simplesmente não consente, apenas deixa.
 O choque, o gosto e a irritação a levam fumar um cigarro emprestado em frente a livraria depois de um ano de feroz abstinência.  Houve tempo para saber entre uma taça e outra de moscatel que o atrevido agora movara em Paris, onde coordenava um importante projeto do governo de restauração do patrimônio público e ia com freqüência visitar a filha Emília, em Lisboa , onde morava há dois anos com a mãe. A ex.  Joana .
Um carro para em frente a livraria. O motorista sai e avisa José que está na hora. Ele entra no carro sem despedir-se.Já sentado no banco de trás estende a mão e suplica de corpo e alma : vem?!
Maria sorri de braços cruzados.
“ Por favor vem”?repete José
“Vou.  Brindar o livro com Érico. Já passa da hora”.
Diz e sai caminhando lentamente
José desce do carro. Ela sente sua respiração pelas costas. Ele a segura pelos cabelos. Suavemente. Por que? Para quê ?
Maria recua . Vira-se. Frente a frente com o único homem capaz de partir-lhe o coração ou pelo menos suas mais caras ilusões românticas pergunta: por quê? Para quê?
“A única morte em que acredito minha cara é o esquecimento”. Diga que você será capaz de esquecer o que impediu de acontecer...” Diz que nada do sobreviveu em você. Diz Maria e te deixo em paz. Afinal qual o significado de nos encontrarmos casualmente em Paris após cinco anos não é?”
“Pois é . Nenhum. Coicidências acontecem sim. ”
“Você ainda não disse”
Ela hesita. Diz que carece caminhar para organizar seus pensamentos. José a segue discretamente. Ficam lado a lado , mas não conversam. Ela nota o mesmo apreço de José pelos telhados.  Lembra da ocasião em que combinaram tomar champanhe sobre as telhas de uma simpática casinha de vila, que ambos sabiam poderia ser um doce lar. Após uma longa caminhada voltam à frente da livraria.  O carro continua à espera.


Calada Maria entra no banco de trás. José logo avisa ao motorista particular que o destino era o seu apartamento.
"Mas o senhor perderá o avião”, avisou respeitosamente o dedicado funcionário
"Eu sei"
Maria não dava palavra. Apenas ia. Em cada esquina José pressentia a nova fuga daquela mulher e colocava-lhe as duas mãos nas bochechas mansamente de forma a acariciar, acalmar e atrair para si a confiança do cavalo selvagem escondido nos traços delicados em algum ponto entre o quadril de parideira e os peitinhos moleques. Lacônica não dava sequência em nenhum dos assuntos dele. Daquele que sempre sentiu saudades. Houve novo silêncio. E medo. Quiça de ambas as partes.Uma  dúvida não havia: ela ainda era louca por ele. E se enraivecia por isso.  Ele que de nada duvidava na vida, agora temia a intuição que afinal não sinalizava o tempo certo das coisas. "Tudo é como tem que ser" deixou escapar em voz alta.
"Será", responde friamente e logo após faz uma ligação para Érico avisando que teve um "imprevisto".
Ele se irrita com o adjetivo escolhido. Tenta disfarçar. Finalmente chegam.
Assim que adentrou a sala de seu anfitrião, a bela trocou a inércia pela na provocação. Usava diminutivos, como casinha bonitinha, o que sabia ser grande ofensa para um homem megalomaníaco como ele.
Irritado feito bicho saqueou-lhe  o corpo, afastando seus pés do chão . Furiosa Maria gritava enquanto ele sentia as costas dela esquentarem em contato com seu abdômen já desnudo.
Atirou-a na cama.
 "Vou gritar e pedir socorro"! avisou baixinho. Pensou em acabar com a brincadeira e ir embora enquanto estirava-se confortavelmente sobre os lençóis de seda, de olhos fechados. No fundo queria defender-se daquelas pupilas matadoras. Sabia-se presa fácil.
Lentamente ele começou a despi-la como se ao contrário cobrisse uma deusa. Acariciava-lhe as sobrancelhas e todos os pelos do corpo entravam em conexão de arrepio como instrumentos afinados por simpatia.
Maria continuava inerte. Alheia. Repentinamente José vira o corpo branco de bruços e mata as saudades daquelas  nádegas como quem sorve pela primeira vez uma carambola madura.
Ela ainda empenhada em insinuar a total indiferença que seu corpo todo já desmentia.  Aflito José suplicava a abertura  dos  grandes olhos negros que o enfeitiçaram desde o princípio. Ele aguardava em movimento, acariciando tudo o que encontrava pela frente. Pelo, pinta, pranto e qualquer parte daquela que  amou sem fim. Também cheirava-lhe as orelhas lentamente.
Ainda de olhos fechados Maria  escorrega as mãos entre as pernas e a exemplo do espetáculo que costumavam oferecer ao público  seus pés bailarinos, ali a valsa se dá pelos dedos das mãos.  Delicados e de unhas pintadas de rubi  bailam  em seu sexo para o deleite de  um José  aturdido e  embriagado de gratidão por ser o convidado de honra daquela masturbação.
Quieto e apavorado com a possibilidade de fazer qualquer algo precipitado que interrompesse a cena , José senta-se no chão e apenas observa o quanto deseja aquela mulher e ama sua companhia.
Farta porém não saciada Maria finalmente abre os olhos. As pupilas fizeram amor diante da lassidão dos corpos emudecidos. Depois misturam-se feito anjos. Exausto de felicidades ele dorme. Ela se apressa. Não conseguiria desperdir-se do homem que amava impunemente.  Talvez nunca viesse a saber que ele a amava enquanto apenas sorria.  
Se as saudades apertavam pensava na beleza dos cavalos selvagens que não trocam promessas de amor.   Ele tentou encontrá-la para jurar te amo, te quero, ti amo, Je ´taime, S´ayapo (em Grego),  I love you, Dangsinul saranghee yo (em coreano), Ohiboke  (em árabe),  Ai shiteiru (em japonês), Kulo tresno (em javanês), Wo ai ni (em mandarin),  Ya tebya liubliu (em russo), Mena Tanda Wena (em Z ulu) Ek is lief vir jou (em africano) e me amas vim (em esperanto).
Acontece que Érico e Eduardo, os únicos capazes de fornecerem alguma pista do paradeiro de Maria saíram da livraria naquela tarde direto para um retiro espiritual na Índia, enquanto aquela mulher sumia feito arco-íris. Na realidade apenas voltou ao Brasil e na época não existiam redes sociais e facebook era ficcção científica. Aliás na ocasião nem internet havia ainda. Tudo deu-se na pré-história  E os investigadores eram caricatos demais naquelas circunstâncias tal qual esse conto. Então ele resolveu que tudo não passara de sexo e champanhe (saboreado talvez com algum excesso por ambos, a propósito, durante o elegante lançamento literário de Flor do Mato, de Érico Balbo) e estamos todos entendidos. E ninguém esqueceu nem soube por quê? Para que? Amaram-se para sempre.